Egresso de escola pública do Piauí lança coletânea em parceria com pesquisadores


"A religião sinaliza um dos traços culturais mais antigos da história da humanidade", reflete José Petrúcio de Farias Júnior, docente da Universidade Federal do Piauí, ao introduzir o prefácio da mais nova obra assinada por uma série de pesquisadores piauienses e pela carioca Juliana Cavalcanti, docente da UFRJ, “História, Igreja e Cristianismos: análises historiográficas”, capitaneada por Ana Paula Cantelli Castro (UFPI) e Rômulo Rossy Leal Carvalho, mestrando em Antropologia Social pela USP, egresso e professor da escola estadual Aprígio Pereira Bezerra, localizada em São Julião-PI.


"É uma obra, por excelência, polifônica. E é disso que nossos livros, especialmente os de história, precisam hoje: da voz e experiência de pesquisadores que levam a sério a história como ciência nesse país. Por muito tempo, como lembra um de nossos colaboradores do livro, o Prof. Dr. Fernando Mattioli (UEPE), discutir religião não faz mais parte apenas da antropologia, da filologia, da sociologia ou da ciência da religião. A história tem feito muito e ainda há de fazer muito mais com uma nova geração que está por vir, sem perder de vista a memória de seus predecessores", comenta o organizador, que também foi Residente Pedagógico no Centro Estadual de Tempo Integral Marcos Parente, em Picos-PI.




Distribuído em nove capítulos, os autores Hortência de Moura Costa, Erik Willer Alves Rodrigues, Verônica Lima de Carvalho, Déborah de Carvalho Coelho, Ana Paula Cantelli Castro, José Petrúcio de Farias Júnior, Jonnildo Vilomar Mateus Viana, Juliana Cavalcanti e o próprio Rômulo Rossy Leal Carvalho escrevem sobre resultados de suas pesquisas --- algumas delas referentes a monografias de conclusão de curso; outras já como desdobramento de pesquisas de mestrado; e outras já frutos de experiências de doutorado. 


O livro conta com uma entrevista exclusiva com o primeiro bispo diocesano de Picos, o piauiense de Bertolínia, Dom Augusto Alves da Rocha (1933-), que além de religioso, é também poeta. O reverendíssimo relata a experiência de seus vinte e seis anos (1976-2001) à frente de uma Diocese recém-criada, a saber as transformações ocasionadas pela sua presença na região, os desafios de alfabetizar uma população leiga que, à época, estava incluída numa cifra de 90% de analfabetismo. Além do trabalho pastoral, o bispo assumiu a posição de educador, lavrador e caminheiro entre os leigos. 


"É importante lembrar que não se escreve história sem fontes. E que os documentos, as entrevistas, são, para os historiadores, alvos de investigação e questionamento, haja vista que história não é teologia, embora o diálogo entre ambas --- vide esse livro --- seja exequível. Não se trata, pois, de tomar o discurso dos materiais aqui expostos como espelho do acontecido, mas como reflexo de uma memória que se busca criar sobre eles e sobre um determinado grupo social, que por sinal, nos anos de 1970, 80, 90, era bem diverso e com suas disputas de classe. E mergulhar criticamente no entendimento e no interesse do que diz Dom Augusto nos possibilita justamente entender essa pluralidade que existe dentro de uma instituição que, em termos doutrinais e eclesiológicos, sempre se pretendeu 'una'", explica Rômulo Rossy.


Com comentários de André Chevitarese (UFRJ), Fernando Mattioli (UEPE), Ana Lívia Bomfim (UEMA), a coletânea ainda passeia, especialmente no trabalho de José Petrúcio de Farias Júnior, pelas disputas políticas acerca da natureza do Cristo, nos primeiros séculos da Era Cristã, entre nicenos e arianos principalmente, em busca de uma ortodoxia a respeito da natureza de Jesus --- sem desconsiderar a profunda relação com o império romano.  "Observa-se também que, mesmo com a oficialização do cristianismo pelo imperador Teodósio, por meio do édito de Tessalônica (380), muitos romanos não abandonaram suas antigas crenças, de tal forma que judeus e não-cristãos não deixaram de existir", arremata Farias Júnior. 


O recado da historiadora e autora do posfácio da obra ilustra com ênfase o convite para o saborear da obra: "A maioria dos pesquisadores que compõem essa organização são jovens intelectuais do Nordeste, formados pelo professor José Petrúcio e pela professora Ana Paula Cantelli. Como pesquisadora há mais de dez anos dos Cristianismos antigos, isso me enche de alegria, pois estou certa de que a cada dia a ciência brasileira avança, mesmo frente aos constantes cortes e retrocessos, e entrega belíssimas contribuições, em língua portuguesa, aos leitores brasileiros e lusófonos de um modo geral", revela Juliana Cavalcanti.


"Procuramos compor um livro que conta também com tabelas, fotografias e, ao passo que tratamos de passados, não nos desvencilhamos de questões que perpassam o nosso presente, ou presentes, seja no Brasil ou no mundo, e que tende a se refletir, acreditamos, em decisões políticas que vislumbram o futuro, além da esperança de dias menos injustos, com menos intolerância, mais respeito às religiões, sejam elas quais forem, evitando todo tipo de anacronismo e flerte ao fanatismo, especialmente o religioso. “História, Igreja e Cristianismos: análises historiográficas” tem por intuito fornecer um olhar plural sobre as dimensões diversas sobre as quais e por meio das quais, ao longo da história, movimentos sociais, movimentos políticos, organizações hierárquicas assimilaram aspectos de culturas polifônicas até a acentuação de um cristianismo ortodoxo (“legítimo”) atinente à Igreja Católica e, ainda mais, como, no seio desta, por contar com membros também de múltiplos aspectos entre si, haverem até hoje vivências e experiências da crença aquém àquelas cuja recomendação se reporta à Instituição", enfatizam os organizadores Ana Cantelli e Rômulo Rossy.


Outras obras de Rômulo Rossy


Autor dos livros Além do Mais! (2015), Luz no Horizonte e Cinzas de uma Mansão, ambos de 2022, e historiador, Rômulo Rossy relata a satisfação de poder lançar luz, aliado a pesquisadores reconhecidos pela seriedade de suas pesquisas, a mais uma coletânea --- esta é a terceira, já tendo organizado História em Crônicas (2019) com Raimundo Nonato Lima dos Santos (UFPI), e Histórias do Brasil: caminhos didáticos para abordagens históricas (2021) ao lado de Ana Cantelli e da também historiadora Nádia Narcisa de Brito Santos --- de artigos que tratam, em suma, de quatro eixos temáticos: diálogo entre história e teologia (Hortência de Moura Costa / Juliana Batista Cavalcanti), olhar teórico sobre como a experiência religiosa é lida pela história (Verônica Lima Carvalho), uma análise histórica regional sobre o catolicismo no Piauí (Erick Willer Alves Rodrigues / Rômulo Rossy Leal Carvalho) e uma leitura sobre os cristianismos antigos (Déborah de Carvalho Coelho / Jonnildo Vilomar Mateus Viana / José Petrúcio de Farias Júnior).